segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Linguagem e estrutura em Cântico dos Cânticos e Marília de Dirceu


1 INTRODUÇÃO
         É comum que se estabeleçam comparações entre obras literárias famosas, porém, não é sempre que essas comparações aconteçam entre uma obra literária e um livro Bíblico.
Este trabalho tem como objetivo encontrar semelhanças de linguagem e estrutura entre os livros Cântico dos Cânticos, de Salomão e Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga.
Para que se possam esclarecer essas semelhanças será realizada uma breve elucidação histórica, sobre os personagens principais de ambas as obras, e destacados trechos dos livros, a fim de comprovar as similaridades.
Esse estudo será embasado nas explicações de teóricos literários, incluindo o prefácio da obra Marília de Dirceu, escrito por Rodrigues Lapa.
Espera-se, que esse estudo possa contribuir para com os interesses das pessoas que buscam conhecimentos literários.

2 SALOMÃO E SULAMITA
Salomão, filho do Rei Davi, reinou 40 anos em Jerusalém, sobre Israel, e foi considerado um homem muito sábio e, devido suas grandes conquistas, muito rico.
Segundo a Bíblia Sagrada, Deus lhe mandara pedir o que quisesse e ele lhe pediu sabedoria.
Era admirador das artes, possuía instrumentos musicais e escreveu os livros bíblicos: Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos.
Conforme o livro de I Reis (11.1-3), Salomão teve 700 esposas e 300 concubinas, a maioria advindas dos reinos por ele conquistados, mas foram à Sulamita que ele dedicou suas canções.
Escrito em Jerusalém, no ano de 1020 a.C., o livro Cântico dos Cânticos, que em algumas traduções Bíblicas recebe o nome de Cantares de Salomão, relata que Sulamita trabalhava, a mando de seus irmãos, como guarda de vinhas.
O rei foi à vinha da família da moça e quando a viu se apaixonou. Salomão a leva com ele, e a abriga em suas tendas e inicia-se um cântico nupcial.
É um livro poético, em apenas oito capítulos, onde Salomão e Sulamita - seus principais personagens - dialogam sobre seus sentimentos, auxiliados pelo coro que tem a finalidade de enfatizar a história louvando o amor do casal.

3 DIRCEU E MARÍLIA 
Dirceu – pseudônimo do poeta Tomás Antônio Gonzaga - foi o cantor de Marília – nome dado pelo poeta à Maria Dorotéia Joaquina de Seixas - uma moça de 15 ou 16 anos por quem o poeta, homem já experiente, se apaixonou.
Através dos estudos realizados atesta-se que Tomás Antônio Gonzaga teve várias paixões, mas foi ao seu grande amor, Maria Dorotéia, que ele compôs suas liras.
Portanto, a obra Marília de Dirceu apresenta um idílio amoroso entre a moça inexperiente e o homem maduro.
Gonzaga morava em Vila Rica, mas as coisas não estavam bem em seu trabalho como ouvidor. Entrando em conflito com o governador Luís da Cunha Meneses – homem autoritário – tornou sua situação bastante delicada.
Após ser nomeado ao posto de Desembargador da Relação da Baía começou a pensar em casamento com Maria Dorotéia quando, por consequências de traições políticas, Gonzaga recebeu ordem de prisão do, então governador, Visconde de Barbacena.
Foi enviado para a masmorra da Ilha das Cobras, de onde continuou a escrever suas liras a sua amada. Os meses que passou nessa masmorra foram vividos na esperança de que tudo iria ser explicado e ele seria libertado para viver ao lado de sua Marília para sempre. Mas, depois de vários meses de prisão, foi condenado a 10 anos de degredo para a cidade de Moçambique.
Partiu sem dizer adeus a Marília, mas deixou registrado, para sempre, o amor que viu afastar-se dele por consequência de uma prisão injusta.
  
4 LINGUAGEM E ESTRUTURA DAS OBRAS
O arcadismo foi um movimento literário que aconteceu entre os anos de 1.768 e 1836.
Conforme Tufano (1988, p.75), o arcadismo expressa uma visão mais sensualista da existência, propondo uma volta à natureza e um contato maior com a vida simples do campo, recriando as paisagens campestres de outras épocas, com pastores e pastoras cantando e vivendo uma existência sadia e amorosa, preocupados em cuidar de seus rebanhos.
Conforme Massaud (2001, p.225) a imitação dos antigos, em pouco tempo transformada num dos postulados diletos dos árcades, não queria dizer mera cópia servil, mas estímulo que um modelo de perfeição é capaz de provocar na genialidade latente de um poeta ambicioso de atingir o máximo de suas virtualidades.
Marília de Dirceu é uma obra na qual o desejo de voltar a uma época - e essa época pode ser comparada a vivida no século XI a.C., contexto histórico do livro Cântico dos Cânticos de Salomão, onde a simplicidade da vida campestre é representada pelo pastoreio, vinhedos e jardins - faz com que Tomás Antônio Gonzaga, apaixonado por Maria Dorotéia, se apresente sobre o pseudônimo de Dirceu, pastor de ovelhas, e que também se refira à sua amada como a pastora Marília.
Observe-se como Dirceu inicia seus cânticos.

“Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, de expressões grosseiro,
Dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite,
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.”
(p.1)
  
 Agora, observe-se Sulamita e o seu amado dialogando em seu encontro:
Sulamita - Dize-me, ó tu, a quem ama a minha alma: Onde apascentas o teu rebanho, onde o recolhes pelo meio - dia; pois porque razão seria eu como a que erra ao pé dos rebanhos de teus companheiros.
Salomão - Se tu o não sabes, ó mais formosa entre as mulheres, sai-te pelas pisadas das ovelhas, e apascenta as tuas cabras junto às moradas dos pastores.
(1.7-8)

Outro ponto em comum, nesses dois livros, e que faz parte de suas estruturas são o aparecimento do coro - que em Marília de Dirceu são enfatizados nos últimos versos de algumas estrofes e no Cântico dos Cânticos se apresentam nas vozes das filhas de Jerusalém, que eram escravas da realeza e serviam a noiva de Salomão.
Alguns exemplos em Marília de Dirceu:
Graças, Marília bela,
Graças à minha estrela!
(p. 1-4)

Marília, escuta
Um triste pastor.
(8-12)

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.
(p.12-15)

Em Cântico dos Cânticos:
Volta, volta, ó Sulamita,
Volta, volta, para que nós te contemplemos.
(6.13)

Que é o teu amado melhor do que o meu, ó tu, mais bela entre as mulheres? Qual é a diferença entre teu amado e outro amado, para que assim nos supliques?
(5.9)

Para onde foi o teu amado, ó tu, a mais bela entre as mulheres? Para onde virou a vista o teu amado, e o procuraremos contigo?
(6.1)

É possível estabelecer, também, semelhanças na forma de expressar o amor às amadas, entre a linguagem de Salomão e Dirceu.
Dirceu:
       “Os teus olhos espalham luz divina,
A quem a luz do sol em vão se atreve;
Papoila ou rosa delicada e fina
Te cobre as faces, que são cor da neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
Teu lindo corpo bálsamo evapora...”
(p.2)

Salomão:
“Tu és bela, minha amada, tu és bela! Teus olhos são como os das pombas por detrás de teu véu; teu cabelo é como o rebanho de cabras que descem pelas colinas de Gileade.
Teus dentes são como ovelhas tosquiadas, que chegam ao lavadouro, todas são em pares, não falta nenhuma delas. Teus lábios são como fio escarlate, e sua linguagem é agradável, como um pedaço de romã é tua fronte...”
(4.1-3)

Tanto Salomão quanto Dirceu descrevem suas amadas através de comparações que fazem da história um destilar de romantismo.
Enquanto Salomão compara sua amada com uma fonte de jardim, Dirceu descreve a face mimosa de Marília como as misturas purpúreas de folhas de rosa branca e de jasmim.
Dirceu cita nomes de deuses gregos (Vénus, Cupido, Palas) e heróis (Aquiles, Hércules, Homero). Salomão recorre a cidades ou lugares conhecidos (Vinhas de Em-Gedi, Saron, Tirza, Sião, Torre de David) e para expressar as qualidades de sua amada se utiliza de comparações realizadas com coisas que, naquele tempo, eram muito preciosas (mirra, madeira do Líbano, lírios).
  
5 CONCLUSÃO
A partir do trabalho apresentado pode se concluir que são notáveis as semelhanças, estruturais e de linguagens, entre o livro Bíblico Cântico dos Cânticos de Salomão e a obra Marília de Dirceu de Tomás Antônio Gonzaga.
Mesmo sem possuir muitos estudos, essas semelhanças não deixam de ser percebidas por quem faz a leitura dessas obras.
            Ainda que o amor entre Salomão e Sulamita tenha sido consumado e o de Dirceu e Marília não tenha encontrado esse êxito, é importante ressaltar que, ambos os livros, são histórias de amor marcantes e que podem servir de base para estudos mais aprofundados sobre linguagem e estrutura literária.

6 REFERÊNCIAS
  • CANTARES DE SALOMÃO. A Bíblia de Promessas. Tradução de João ferreira de Almeida. 3. ed.Rio de Janeiro:JUERP/King’s Cross Publicações, 2006.
  • CANTARES DE SALOMÃO. A Bíblia Vida Nova. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Vida Nova, 1995.
  • CÂNTICOS DOS CÂNTICOS. Bíblia Sagrada. Tradução de Túlio Barros. Rio de Janeiro: Alfalit Brasil, 2002.
  • GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. 3. ed.Lisboa: Sá da Costa, 1968.
  • MASSAUD, Moisés. História da literatura brasileira: Das origens ao Romantismo. 7. ed.São Paulo: Cultrix, 2001.
  • TUFANO, Douglas. Estudos de literatura brasileira. 4. ed.São Paulo:Moderna, 1988.

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