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Em 1977, Clarice Lispector lança seu último livro, A hora da Estrela,
considerado sua obra mais surpreendente.
Em um romance metalingüístico, onde a literatura se discute por ela
mesma, a autora cria um autor modelo e começa a contar - o processo de se
escrever um livro - uma história dentro de outra história.
Apesar de sua estratégia de criar Rodrigo, o autor modelo, Clarice
Lispector não consegue se esconder e deixa transparecer sua presença. Numa das
passagens do livro, Rodrigo confessa ter , quando menino, se criado no nordeste
e depois vindo para o Rio de Janeiro, o que aconteceu também com a autora.
Nesse livro, narrado em 1ª pessoa, Rodrigo está escrevendo a história de
Macabéa. Uma nordestina de 19 anos, que mal tem consciência de existir. Viaja
para o Rio de Janeiro e arruma um emprego de datilógrafa. É apaixonada por Coca Cola e vive escutando a Rádio Relógio.
O autor modelo, durante todo o tempo indaga o leitor sobre como contar a
história da nordestina feia que, segundo ele, perdera os pais quando criança, e
fora criada por uma tia beata.
O interessante nesse livro é que os personagens são criados a serviço do
que se quer dizer, a começar pela pluralidade dos títulos, propostos para a
obra, logo no início do livro.
Aos poucos, Rodrigo, vai dando desfecho ao livro, sempre envolvendo o
leitor em suas dúvidas e maneiras de inventar sua história, mostrando ao leitor
o processo de compor um livro. Cria um namorado para Macabéa, o “cabra safado”
Olímpico, que se julga peça-chave, dessas que abre qualquer porta, e Macabéa,
conforme relata o autor, era na verdade uma figura medieval.
Quando se encontrava com o namorado, a nordestina contava-lhe as notícias
que ouvia na Rádio Relógio, ainda que não soubesse do que se tratava e
perguntasse a Olímpio, o qual desconhecia o assunto, mas orgulhosamente
humilhava a moça.
Olímpico não demonstrava satisfação nenhuma em namorar Macabéa e,
se não bastasse dar a Macabéa todas as qualidades ruins, Rodrigo decide fazer
com que Olímpio traia a nordestina com a companheira de trabalho dela.
Quando o rapaz lhe dera o fora, Macabéa pôs-se a rir, e Rodrigo explica
que a moça reage dessa forma por não ter se lembrado de chorar.
O autor modelo de Lispector
expressa seu cansaço por literatura, da companhia de Macabéa, Olímpico... , e
decide descansar, sozinho, retornando após três dias.
Sua história continua com Macabéa indo procurar madama Carlota para ver o
que o destino lhe reservava.
A cartomante informa-lhe que sua vida iria mudar assim que ela saísse
dali. Encheu a moça de esperanças ao revelar que um moço, alourado de olhos
azuis ou verdes ou castanhos ou pretos, estrangeiro, que parecia chamar-se
Hans, iria casar-se com ela. Madama Carlota continuou a enumerar as qualidades
do gringo, que conforme lia nas cartas, iria lhe dar muito amor.
Madama assegurou-lhe que sempre via a verdade nas cartas e contou para
Macabéa que a moça que havia saído de sua sala anteriormente a sua chegada,
saíra chorando porque o destino lhe reservava um atropelamento.
Ao sair do consultório de Carlota, a moça só pensava no “gringo” que
faria o seu destino ser maravilhoso.
“Então ao dar o passo de descida da calçada para atravessar a rua, o
destino (explosão) sussurrou veloz e guloso: é agora, é já, chegou a minha
vez!”
Uma Mercedes amarela pegou-a e ao cair, Macabéa viu que estavam se
cumprindo as predicações de madama Carlota, pois o carro era luxuoso. Ficou
descansando no canto da rua e pensando: “Hoje é o primeiro dia da minha vida:
nasci.”.
Rodrigo relata que a moça sofria como uma galinha de pescoço mal cortado
que corre espavorecida pingando sangue, mas diferente de uma galinha, Macabéa
lutava muda.
É essa a forma com que Rodrigo, instruído por Lispector, encontra as
palavras para anunciar a morte da sua Maca.
“E então-então o súbito grito estertorado de uma gaivota, de repente a
águia voraz erguendo para os altos ares a ovelha tenra, o macio gato
estraçalhando um rato sujo e qualquer, a vida come a vida.”
Ao terminar sua história, Rodrigo explica que sua Maca não passava de uma
caixinha de música meio desafinada.
E é com essa riqueza de linguagem, que as 87 página do romance “A hora da
estrela” podem ser consideradas um misto de criatividade e desenvoltura intelectual
de Clarice Lispector.
Mas o que deve ser experimentado, mesmo, é o prazer de se ler uma obra
rica em linguagem que é a temática, verossimilhante, da morte como única
certeza que se tem em vida.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. 23. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
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